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Qual o sentido do filme Nove Dias?

Quem somos nós, antes de sermos alguma coisa? Qual é a natureza das almas? Nove Dias (Prime Video/2020) é um drama humanista metafísico do diretor nipo-brasileiro Edson Oda que trata da pré-existência da alma.

É uma experiência introspectiva que abrange elementos de ficção especulativa e ficção científica espiritual que exploram as questões mais profundas de quem e o que somos, e ainda a busca de propósito e conexão no mundo externo.

Sobre o que é o filme Nove Dias?

Protagonistas do filme Nove Dias: entenda a explicação dos significados do filme existencialista

Imagine que, antes de nascer, você tivesse que passar por um processo de iniciação para garantir que foi preparado para a vida na Terra.

Imagine viver uma série de desafios mentais e testes de aptidão apenas para provar que você tem certas qualidades inerentes que poderiam levar a uma existência rica e gratificante entre humanos.

Imagine, ainda, como seria passar uma semana ou mais sendo julgado silenciosamente por suas ações, pensamentos e opiniões, antes da prova final? Esse é o contexto de Nove Dias.

Quem é Will?

Winston Duke estrela como Will, um homem estoicamente misterioso que vive no limbo, observando o ponto de vista de uma série de almas diferentes.

Elas enfrentam provações e tribulações diárias através de um painel de aparelhos de TV na sala de estar. Ele está lá enquanto as almas crescem, lidam com traumas, realizam movimentos mundanos e celebram a beleza da vida.

É um observador zeloso, faz anotações periódicas, acompanha o progresso e os retrocessos. Isso até que uma de suas “protegidas”, Amanda, uma violinista talentosa, morre tragicamente no que parece ser suicídio.

De repente, há uma abertura na Terra e cabe a Will escolher a próxima alma para se juntar à terra dos vivos.

Logo depois, uma série de almas recém-nascidas com uma infinidade de peculiaridades e perspectivas chegam à casa de Will para passar por uma bateria de cenários e testes.

A relação entre Will e Amanda Grazzini

Will está particularmente interessado na vida de uma mulher de 28 anos chamada Amanda Grazzini, violinista e prodígio, cuja vida se desenrola em trechos no início do filme.

Com o tom harmônico do violino ao fundo, vemos Amanda criança, pais amorosos, e a menina escolhendo o violino entre uma variedade de brinquedos, brincando na água lamacenta, pintando um quadro, comemorando o aniversário.

Se apresentando em um concerto para violino, se formando, aprendendo notas musicais, andando de bicicleta pelas ruas, dançando com as amigas e ensaiando para um grande concerto.

O temperamento de Will aparentemente mudou radicalmente desde a morte de Amanda. Ele pode ser rude e frio, mas revela um ponto fraco genuíno.

O que nosso protagonista não contava era ser observado por Emma (Zazie Beetz), uma candidata que sente a dor por trás do olhar de Will assim que ela põe os pés no alojamento.

Quem é Emma?

Zazie Beetz interpreta a jovem e otimista Emma. Sua visão positiva da vida potencial acaba destruindo o exoesqueleto emocional de Will e o ajuda a aceitar a morte de Amanda.

Ela encontra felicidade em fazer os outros felizes, investiga a vida de Will e tenta descobrir o que o tornou indiferente e desapegado e até lhe proporciona um vislumbre de alegria quando suas memórias felizes são compartilhadas. 

Emma é alguém que quer que você acredite que a existência é uma graça e que a vida é um milagre, mesmo quando temos que sofrer no campo de batalha da vida. 

Também testemunhamos as almas rejeitadas apreciando a beleza da vida quando gostam de andar de bicicleta na rua ou de um dia na praia.

Quem é Kyo?

Will é acompanhado diariamente por seu amigo e vizinho, Kyo (Benedict Wong), mas um obstáculo separa os dois: Will já estava vivo, enquanto Kyo nunca viveu como humano.

O personagem de Kyo oferece o contrapeso perfeito para Will, que pode ou não ter cometido suicídio. O próprio trauma não resolvido de Will aflige sua capacidade de escolher a alma “certa” para ocupar o lugar disponível.

Uma questão intrigante é levantada por ele quando pergunta a Will: “E se nós, os observadores, estivermos sendo observados em outro lugar por outro grupo de observadores, que também estão sendo observados? E assim por diante, até o fim?” 

A repentina epifania de Kyo nos faz questionar as hierarquias envolvidas no ciclo da vida.

Will cometeu suicídio?

Destacar a beleza e a dor é o que torna Nove Dias tão majestoso – o cineasta Edson Oda foi inspirado pelo falecido tio, um homem altamente talentoso cuja dor o levou a se matar.

Como resultado, temos a sensação de que o personagem de Will não quer nenhum tipo de “vida” para si mesmo, o que é fascinante dada a sua posição única de ter que escolhê-la para os outros.

A busca dele pelos motivos do suicídio de Amanda lança luz sobre a própria vida passada na Terra. Will já esteve vivo, mas não se sentia apto para viver no mundo e acabou cometendo suicídio.

O fato de ficar surpreso com a atitude da garota nos faz pensar o quanto isso é real: é muito difícil reconhecer quando alguém está prestes a acabar com tudo.

Nove Dias: explicação do filme é subjetiva

Nove Dias oferece um estudo crítico do autodeterminismo e da percepção existencialista da condição humana. Will, o seletor da alma, decide o candidato certo para nascer, atuando como juiz e júri. 

Porém, a alma escolhida ou dotada de vida exerce o livre arbítrio em suas escolhas que satisfazem seus desejos. O filme é um lembrete para apreciarmos a improbabilidade da nossa existência e a necessidade de apreciar e celebrar as coisas simples da vida. 

A personagem de Emma simboliza a necessidade de celebrar momentos felizes que podemos vivenciar no mundo. Em seu tempo limitado de existência, ela escolhe focar nas pequenas coisas da vida e é grata por sua passagem transitória.

Isso nos mostra de forma única, sem nos bater na cabeça, que a vida é um presente que devemos aproveitar ao máximo: até as coisas chatas, até as bobas, até as dolorosas, até as difíceis.

Ele coloca os espectadores na mente dos personagens com pontos de trama simplesmente elegantes e questões abertas sobre a própria humanidade e características humanas.

Poema do filme Nove Dias: Song of Myself

Na cena final de Nove Dias, Will corre em direção a Emma e recita o poema ‘Song of Myself’ (abaixo). É um poema em verso livre do escritor, jornalista e poeta americano Walt Whitman.

Originalmente publicado em 1855, o texto passou por revisões nos anos seguintes. O autor tinha algumas ideias radicais sobre a América, democracia, espiritualidade, sexualidade, natureza e identidade.

Ele usou o poema para se expressar enquanto pregava o autoconhecimento, a liberdade e a aceitação. ‘Canção de Mim Mesmo’ não é um texto com enredo claro ou um único ponto a ser destacado — mas é isso que faz dele especial.

Eu celebro a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você.
Vadio e convido minha alma,
Me deito e vadio à vontade….
Observando uma lâmina de grama do verão.
Casas e quartos se enchem de perfumes….
As estantes estão entulhadas de perfumes,
Respiro o aroma eu mesmo, e gosto e o reconheço,
Sua destilação poderia me intoxicar também, mas não deixo.
A atmosfera não é nenhum perfume….
Não tem gosto de destilação …. é inodoro,
É p’ra minha boca apenas e p’ra sempre….
Estou apaixonado por ela,
Vou até a margem junto à mata sem disfarces e pelado,
Louco p’ra que ela faça contato comigo.
A fumaça de minha própria respiração,
Ecos, ondulações, zunzuns e sussurros….
raiz de amaranto, fio de seda, forquilha e
videira,
Minha respiração minha inspiração….
a batida do meu coração…. Passagem de sangue e
ar por meus pulmões,
O aroma das folhas verdes e das folhas secas,
da praia e das rochas marinhas de cores
escuras, e do feno na tulha,
O som das palavras bafejadas por minha voz….
Palavras disparadas nos redemoinhos do
vento,
Uns beijos de leve…. alguns agarros….
o afago dos braços,
Jogo de luz e sombra nas árvores
enquanto oscilam seus galhos sutis,
Delícia de estar só ou no agito das ruas,
ou pelos campos e encostas de colina,
Sensação de bem-estar …. apito do meio-dia ….
a canção de mim mesmo se erguendo da
cama e cruzando com o sol.
[…]
Uma criança disse, O que é a relva?
Trazendo um tufo em suas mãos;
O que dizer a ela?….
Sei tanto quanto ela o que é a relva.
Vai ver é a bandeira do meu estado de espírito,
tecida de uma substância de esperança
verde.
Vai ver é o lenço do Senhor,
Um presente perfumado e o lembrete derrubado por querer,
Com o nome do dono bordado num canto, p’ra que possamos ver e examinar, e dizer
É seu ?
[…]
O blablablá das ruas…. Rodas de carros
e o baque das botas e papos dos pedestres,
O ônibus pesado, o cobrador de polegar interrogativo,
o tinir das ferraduras dos cavalos no chão de granito.
O carnaval de trenós, o retinir de piadas berradas
e guerras de bolas de neve ;
Os gritos de urra aos preferidos do povo….
O tumulto da multidão furiosa,
O ruflar das cortinas da liteira — dentro
um doente a caminho do hospital,
O confronto de inimigos,
súbito insulto, socos e quedas,
A multidão excitada — o policial e sua estrela
apressado forçando passagem até o centro
da multidão;
As pedras impassíveis levando
e devolvendo tantos ecos,
As almas se movendo….
Será que são invisíveis enquanto o mínimo átomo é visível ?
Que gemidos de glutões ou famintos
que esmorecem e desmaiam de insolação
ou de surtos,
Que gritos de grávidas pegas de surpresa,
correndo p’ra casa p’ra parir.
Que fala sepulta e viva vibra sempre aqui….
quantos uivos reprimidos pelo decoro,
Prisões de criminosos, truques,
propostas indecentes, consentimentos,
rejeições de lábios
convexos.
Estou atento a tudo e as suas ressonâncias….
Estou sempre chegando.
[…]
Sou o poeta do corpo.
E sou o poeta da alma.
[…]
WHITMAN, Walt. Folhas de relva: a primeira edição. Trad. Rodrigo Garcia Lopes. São Paulo: Iluminuras, 2005.

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Por Monique Gomes

Empreendedora digital, copywriter,
analista de SEO on-page, gestora de tráfego.