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Precisamos falar sobre masculinidade tóxica!

“Aparentemente muitos homens não estão limpando a bunda”. Essa frase bem que poderia ser o desfecho de uma piada de mau gosto, mas é o título de um post no BuzzFeed que resume o conceito de masculinidade tóxica.

A notícia causou um enorme desconforto, principalmente porque as mulheres relataram o constrangimento de conviver diariamente com alguém que não cuida da própria higiene.

Os principais argumentos dos maridos:

  • “Limpar a bunda é coisa de viado”;
  • “Quem limpa o quintal, espera visita”;
  • “Homem de verdade não abre a bunda por nada”.

Ou seja, estamos diante de um exemplo clássico de masculinidade frágil. É como se a heterossexualidade fosse uma peça de porcelana que pode quebrar a qualquer momento e, portanto, TODO CUIDADO É POUCO!

Não ria. Se você rir, vai direto para o inferno. Na verdade, o homem não tem culpa disso sozinho. Ele foi alimentado com conceitos deturpados desde que nasceu.

Quando o machismo se torna prejudicial para todas as pessoas, inclusive o homem, chamamos de masculinidade tóxica.

Afinal, o que é masculinidade tóxica?

homem agressivo demonstra sinais de masculinidade tóxica.

É um conjunto de atitudes ou comportamentos nocivos que acabam resultando em alguma forma de violência.

Não tem nada a ver com a biologia: é praticamente uma imposição da sociedade que começa desde quando o menino nasce.

Sendo assim, ele pode se tornar manipulador, misógino, agressivo, assassino ou simplesmente um babaca.

Mulheres e crianças são vítimas frequentes da masculinidade tóxica por meio da violência doméstica, feminicídio ou outros tipos (não vamos entrar nesse campo hoje).

No entanto, o próprio homem também é vítima. Só que de si mesmo.

A masculinidade tóxica afeta o desenvolvimento emocional, reprime os sentimentos, causa raiva, ira, estresse, depressão. Também prejudica a vida social do cara e afeta os relacionamentos.

Como a nossa cultura ajuda a perpetuar a masculinidade tóxica?

Segundo Tony Porter, ativista americano que palestrou no  TED Talk, “os homens que agridem as mulheres foram educados para isso”.

Desde meninos, são ensinados a ser agressivos, dominadores, protetores, poderosos, fortes, valentes.

Ele disse que chamar os garotos de “garotas” como uma ofensa transmite a ideia de que ser como uma menina é algo ruim, negativo.

De acordo com Porter, a masculinidade tóxica ensina:

  • “que os homens estão no comando, o que significa que as mulheres não apitam em nada”;
  • “que os homens lideram e você deve fazer apenas o que eles dizem”;
  • “que os homens são superiores e as mulheres inferiores”;
  • “que os homens são fortes e as mulheres fracas”.

Assim, ao atribuir qualidades supervalorizadas aos homens acima das qualidades associadas às mulheres, a masculinidade tóxica encoraja uma cultura que não só derruba os homens por serem “femininos”, mas também diminui as mulheres.

Em entrevista à Revista Época, o ativista afirmou que os homens são treinados a não demonstrar sentimentos e emoções.

“Você nunca vê um homem dizendo que está com medo de algo. No máximo, ele está ‘preocupado’. Isso é uma bobagem! É claro que também nos sentimos acuados, mas é como se o mundo não pudesse desconfiar”.

A masculinidade tóxica começa dentro de casa, anda por aí nas ruas, está nas escolas, nas igrejas, em todo lugar

A sociedade espera que o homem nunca demonstre “fraqueza”, seja sensível ou carinhoso.

Normalmente, pais, mães e as pessoas que convivem com a criança/adolescente, incluindo os amigos da escola, primos etc, alimentam o machismo com expressões do tipo:

  • “Homem não chora”;
  • “Seja homem, rapaz!”;
  • “Não seja um mariquinha”;
  • “Não deixe uma mulher mandar em você”;
  • “Amigos primeiro, vadias depois”;
  • “Tenha culhão”etc.

Essas frases foram retiradas do documentário The Mask You Live In (A Máscara em que Você Vive), disponível na Netflix. O filme mostra o quanto os homens são pressionados a reprimir as próprias emoções.

Logo no início, crianças e adolescentes são convidados a verbalizar seus sentimentos ao completar a sentença: “se me conhecesse de verdade, saberia que…“. A partir daí, todas as dores que estavam escondidas se revelam. É muito tocante.

O guia de orientação sexual dos meninos é a pornografia

O nível de masculinidade é medido pelas conquistas sexuais. Os pais, principalmente, têm uma pressa absurda de fazer o filho se interessar por mulher.

Basta o guri crescer um pouco pra ouvir a pergunta: “E aí, tá comendo todas?”. A pressão continua na roda de amigos. Quem não reproduzir o comportamento do macho alpha é rejeitado ou até humilhado.

Na maioria das famílias, o sexo não é apresentado como um momento de prazer entre duas pessoas. Geralmente, a educação sexual do menino acontece com a visualização de conteúdos pornográficos.

Hoje é muito fácil qualquer um ter acesso pelo celular.

Nesse cenário, a mulher é vista como um mero objeto, algo descartável que existe exclusivamente para satisfazer as necessidades dele.

Os meninos são treinados para banalizar a violência

Você consegue imaginar um pai dizendo que, se o filho apanhar na rua, vai apanhar de novo quando chegar em casa? Esse filho não é um personagem fictício, tá?

Esse homem é real, porque eu o conheci. Arrumava qualquer desculpa para provocar uma briga em festas superlotadas de gente, mesmo adulto.

Cada evento, uma pancadaria. Em casa, o pai ouvia as histórias, cheio de orgulho do filho brucutu. Quando namorou, era agressivo. Quando casou, bateu na mulher.

Esses meninos crescem achando normal fotografar a calcinha da amiga, que está de saia, distraída.

Crescem achando normal contar vantagem para os amigos quando “pegam” uma menina.

Crescem achando normal fazer aposta para ver quem fica primeiro com a menina X.

Crescem achando normal bater na mulher porque ela recebeu uma notificação no celular.

Crescem achando normal matar a mulher só porque ela não quer mais ficar com ele.

Afinal, é “coisa de homem”.

Quando o homem bate/agride/mata uma mulher o motivo não é simplesmente ciúmes. Existe um sentimento de posse, de poder sobre o outro, de superioridade.

Hoje, existe uma certa evolução no reconhecimento dos direitos da mulher. Ainda está longe do ideal, mas são avanços.

Por outro lado, o preconceito, o sexismo, o machismo, a misoginia, a homofobia, os estereótipos pejorativos, AS PIADINHAS FAVORÁVEIS À CULTURA DO ESTUPRO chegam como um tsunami, são ensinados em casa, disseminados na TV, nos vídeos de youtubers sem noção e ajudam a fazer da masculinidade tóxica um ciclo infinito que é transmitido de geração a geração.

Veja também:

Outras consequências da masculinidade tóxica

Sem dúvida, o estigma relacionado à saúde mental dos homens é muito real.

Tudo se relaciona com as expectativas sociais em torno do que significa ser um “homem”, ou o que significa ser masculino, porta de entrada para os estereótipos.

Assim, algumas crenças compartilhadas são: homens heterossexuais devem evitar gays como amigos, meninos não devem aprender a limpar e cozinhar, homens não devem fazer tarefas domésticas, homem nunca diz não ao sexo etc.

Isso tudo afeta demais a vida do homem e de todas as pessoas que convivem com ele.

Pense nos casos de feminicídio que acontecem todos os dias e como esses crimes poderiam ter sido evitados!

Pense em quantos divórcios separam casais diariamente, quantas brigas, conflitos, suicídio, depressão, crises de ansiedade.

É muito provável que o seu casamento ou o casamento de uma amiga tenha acabado por causa da masculinidade tóxica.

Lembra do sentimento de culpa que você ou ela sentiu? Que mulher está preparada para lidar com isso? Nenhuma.

Pense nas agressões contra a comunidade LGBTI: somos um dos países que mais mata homossexual ou pessoa trans no mundo. Por que tanto ódio? Por que os homens estão matando tanto?

Como conquistar a masculinidade saudável?

masculinidade tóxica x masculinidade saudável: casal feliz

Para responder a essa pergunta, nada melhor que ler o depoimento de John Leimer, escritor, empresário e “ex-macho tóxico” (Fiz um resumo). Acompanhe:

“A mulher ‘bonita’ é vista como um objeto, a confirmação do valor de um homem.

Para confirmação do meu valor e status eu também joguei nesse sistema tóxico de me relacionar com as mulheres dessa maneira, mesmo sem fazer parte da classe de elite.

Porque eu sou homem |…| então eu aprendi a jogar o jogo |…|

Eu estava tratando as mulheres para minha gratificação sexual e confirmação de status / masculinidade, porque essa era a sociedade em que eu fui criado e acostumado.

Eu não tinha nenhum exemplo de um homem com masculinidade saudável.

Meu pai também foi infiltrado no sistema de masculinidade tóxica e só confirmei isso com suas ações de poder e abuso, tudo o que eu estava aprendendo na escola.

Assim, comecei a abusar dos mais fracos e a intimidar outros para sentir que tinha poder. Eventualmente, comecei a acordar com a dolorosa verdade da minha realidade.

Eu estava vivendo uma falsa identidade dentro de um mundo confuso. Eu precisava mudar, mas não tinha ideia como.

O sistema ao meu redor me deixou tão doente que, mesmo quando comecei a mudar, a força para permanecer nas garras do velho paradigma era tão forte que a mudança não seria fácil ou simples.

Não é de admirar que estamos morrendo. Nós estamos morrendo. Eu estou morrendo. A terra está morrendo.

Todos nós estamos morrendo e a maioria está em silêncio até a morte que testemunhamos. Mas precisamos acordar . Eu tenho que acordar e ver o impacto das minhas ações.

Comecei a me educar e fazer o meu trabalho . Apesar de estar com medo, comecei a me conectar com outros homens. Eu também comecei a me informar sobre a experiência das mulheres. Tem sido um trabalho árduo, doloroso, até.

Comecei a ser visto como um homem de caráter, um homem que defendia os direitos das mulheres e dos menos privilegiados. |…|

Para se recuperar da masculinidade tóxica, é preciso admitir que estamos doentes. 

Somos todos parte de um sistema entrelaçado; não podemos continuar a operar como se fôssemos independentes uns dos outros, da terra e de seus habitantes e do resto do mundo.

A masculinidade saudável é o conhecimento de que eu faço escolhas que terão consequências e que devo me opor a essas escolhas se prejudicar outro ou a mim mesmo, seja intencional ou não.

Cabe a mim ver a toxina no meu sistema e procurar uma cura para a doença que me afligiu. Ninguém vai fazer isso por mim.

Minha voz não deve permanecer em silêncio diante dessa masculinidade tóxica. Eu devo estar contra os malfeitores como se estivesse sendo feito diretamente para mim, porque é.

A masculinidade saudável significa que devo resistir às minhas próprias ações que causam danos a mim e aos outros.

Não posso ficar dormindo confortavelmente no meu velho cobertor do comportamento inconsciente. Eu sou parte de você e o que eu faço afeta você, assim como eu”.

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