Pular para o conteúdo

Paris, Texas: o plot twister que você não viu

Paris, Texas (1984) é um filme do aclamado diretor Win Wenders que recebeu diversos prêmios.

Travis (Harry Dean Staton) é um homem que vaga pelo deserto até ser encontrado pelo irmão Walt (Dean Stockwell) quatro anos depois de ter ido embora por livre e espontânea vontade.

A partir desse encontro, o andarilho tem de lidar com os fantasmas do passado.

No decorrer da narrativa, descobrimos que o motivo do chá de sumiço aconteceu por conta de uma “decepção amorosa” (as aspas são uma ironia que você vai entender daqui a pouco).

Ao contrário do que possa parecer, Travis não é um adolescente que brigou com a namoradinha da escola… 

Paris, Texas: Travis

Travis, protagonista do filme Paris, Texas com direção de Wim Wenders

É um homem na faixa de uns 50 anos, casado com a jovem Jane (Nastassja Kinski) e pai de Hunter (Hunter Carson) que na época tinha apenas quatro aninhos.

Após o abandono, não demorou muito para que a criança fosse largada também pela mãe. Ela o deixou na casa de Walt e Anne (Aurore Clément) e foi embora da cidade.

Isso talvez se explique pelo fato de que Travis era o único provedor da família.

Não sabemos muito sobre Jane, mas provavelmente não tinha renda e tampouco conseguiu concluir os estudos.

Afinal, ela foi contratada como stripper  — é o tipo de atividade que não exige conhecimento acadêmico.

O plot twister do meu ranço!

A cena que revela o que vou chamar de plot twister implícito não intencional mostra o reencontro de Travis e Jane.

Os dois estão no clube onde ela trabalha. Cada um em um pequeno quarto separado por um vidro. Ela não o vê, mas pode ouvi-lo pelo telefone que existe ali para essa finalidade.

Travis começa a contar sobre a vida deles em terceira pessoa, como se fosse a história de um amigo qualquer.

Enquanto Jane ouve e cada vez mais se identifica com a riqueza de detalhes daquele relato, a nós é revelada uma sequência de abuso, possessividade e violência doméstica.

Segundo as palavras do próprio Travis, quando os dois estavam juntos ele se sentia inseguro por ser um cara mais velho, tinha medo de ser traído.

Confessou que por mais de uma vez pediu demissão do emprego para poder ficar em casa com ela com o objetivo de garantir a fidelidade da moça. 

Certa vez, ele amarrou um guizo no tornozelo dela pra ouvir se ela se levantasse de cama à noite para ir embora, mas ela aprendeu a abafar o barulho com uma meia.

Uma noite deixou a meia cair e, com o barulho do guizo, ele acordou e a amarrou ao pé do fogão com um cinto. Ele foi dormir, enquanto ela gritava e o filho ouvia.

Dali, ele se admirou por não sentir mais nada, só queria dormir. Pela primeira vez, queria estar longe dela”.

Desculpa a sinceridade, Win Wenders…

Paris, Texas é uma história contada pela perspectiva de Travis. Isso não seria um problema se Wenders não tivesse vendido a ideia de que existe um sentimento de amor naquele homem.

Mas ele vendeu. E vendeu de um jeito tão poético, romântico e belo que o espectador comprou.

Muitas pessoas derramaram lágrimas de emoção ao assistir a essa cena épica de Paris, Texas que, ao meu ver, é o momento mais desagradável do filme. É isso.