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“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?”

“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?” é uma frase do poeta Bertolt Brecht.

Normalmente, quando assisto a um filme baseado em fatos, faço uma busca pela história verdadeira. Primeiro pra entender melhor o que aconteceu e segundo para entender as escolhas que o(a) diretor(a) fez ao adaptá-la para o cinema.

Foi assim com Elefante (2003), dirigido por Gus Van Sant. O filme é praticamente uma simulação da chacina na Columbine High School. Em 1999, Eric Harris e Dylan Klebold assassinaram colegas e professores a sangue frio.

O massacre não foi planejado principalmente como um tiroteio, mas como um bombardeio em grande escala. Se eles não fossem tão ruins em conectar os temporizadores, as bombas de propano que colocaram no refeitório teriam vitimado 600 pessoas em vez de 13.

Um fato que me deixou perplexa é que um grupo de jovens formou uma espécie de fã clube dos assassinos. São adolescentes obcecados pelo tiroteio em Columbine e de outros notórios matadores em massa da história.

Alguns garotos tatuaram a imagem dos estudantes mortos em seus corpos (foto que ilustra este post).

O filme por si só já causa mal-estar, mas saber disso me deixou com um embrulho no estômago especial. É a mesma sensação que sinto quando alguém ou um grupo de pessoas sinaliza tolerância e simpatia ao nazismo sabendo a merda que isso representa.

A sensação piora quando penso que, talvez, pessoas próximas a mim agiriam de forma parecida pelo fato de apoiarem com garras e dentes um presidente que posa sorridente ao lado do sósia de Hitler para ser fotografado.

Um presidente que disse que o holocausto deveria ser perdoado. Um presidente cujo ex-secretário de Cultura fez um pronunciamento reproduzindo falas, ambientação e postura copiadas do político nazista Joseph Goebbels.

Um presidente que não apenas admira, mas homenageia torturador.

Um presidente que recebeu, com orgulho, a deputada alemã neta do ministro das Finanças de Hitler, homem que liderou a apreensão dos bens dos judeus enviados para extermínio durante a ditadura do Partido Nazista.

Um presidente cujo assessor especial foi réu por fazer um gesto de white power em uma sessão do Senado.

Um presidente que, junto com a equipe, debochadamente apareceu bebendo leite puro em uma live, sinalizando mais um gesto comum entre os supremacistas brancos.

Quem é Monark na fila do pão?

Um completo idiota, mas um idiota com muitos seguidores. Liberdade de expressão é uma coisa, apologia ao crime é outra. Muita gente não faz a menor ideia da diferença entre ambos.

“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?”

— a frase de Bertolt Brecht é a pergunta que não quer calar.

Em um grupo de comunicação instantânea no qual participo, existe um garoto que sofre de ansiedade/depressão. É de conhecimento de todos que ele já teve pensamentos suicidas e, inclusive, tentou se matar uma vez (ou mais).

Diante de uma crise de pânico, ele perguntou ao grupo se fazia mal tomar três comprimidos de Diazepan. Contou que começou a surtar e a gritar depois que a namorada viajou. Estava apavorado, se sentindo sozinho.

Comentei que é perigoso tomar muitos comprimidos de uma vez, que o tratamento pra ansiedade deve ser contínuo, com medicação prescrita pelo médico.

Encaminhei 3 podcasts sobre controle de ansiedade de uma psicóloga que eu ouço no Spotify.

Um dos membros disse: “Ele quer morrer, deixa ele”.

Na maior educação, respondi: “Não é bom falar assim com quem tem problemas de ansiedade/depressão”.

Ele fez piada da minha preocupação, me chamou de “militante” e eu respondi que ele era um “filho da puta escroto”.

Todos ficaram em choque com a minha reação. Entre risadinhas, memes e figurinhas, ainda me dei ao trabalho de explicar o óbvio: não se deve dizer pra um potencial suicida que ele pode morrer em paz, se quiser. Nem de brincadeira.

Enfim, o mundo de hoje está bem representado pelos âncoras da sátira Não Olhe Para Cima (2021) que, mesmo diante da revelação de um meteoro que vai destruir o planeta, continuam fazendo piadas para entreter o grande público da TV.

Monique, a militante que defende o óbvio porque não consegue ficar calada.