Os personagens não têm nomes – apenas palavras (irmão, irmã, pai, mãe). Eles são orientados a não sair de casa por “segurança”, e seriam mortos se o fizessem.
Certa noite, durante o jantar, o pai afirma que as crianças podem sair no carro quando o incisivo – “dente canino” – cair, sabendo que os dentes permanentes nunca cairão. Ou seja, é uma metáfora onde diz que os filhos nunca terão liberdade.
Os filhos são mantidos em um estado de infantilização extrema por conta da doentia superproteção: nunca tiveram permissão para sair do confinamento familiar. Seus comportamentos lembram cães adestrados, pulando e latindo em resposta.
São capazes de cumprir ordens, mas também apresentam habilidades básicas de comunicação, embora suas conversas soem estranhamente afetadas, como se estivessem sob influência de hipnose. Mas é a mais completa perda da individualidade.
Os pais ensinam sinônimos com significados errados aos filhos. Um exemplo notável é quando “zumbi” é definido como uma flor amarela, gerando um encantamento infantil ao ser descoberto no jardim.
“Mar” é a palavra para definir a grande poltrona de couro da sala. No entanto, a realidade inevitavelmente se intromete. Quando confrontada com o significado da palavra “buceta”, encontrada no videocassete do pai, a mãe improvisa, dizendo que é “uma grande luz”.
Talvez numa tentativa de protegê-los da realidade exterior, criam um mundo sem sentido e confuso. Esse método grotesco de anti-educação reflete uma manipulação doentia.
Fora dos limites da casa, uma “criatura sinistra” conhecida como “gato” ronda, ameaçando qualquer um que se atreva a sair.
Eles são ensinados que o gato é o animal mais perigoso: come carne, principalmente humana. Dizem que os felinos estão espalhados por toda a parte.
A “tragédia” já atingiu a família quando um dos irmãos foi “fatalmente atacado”.
Agora, eles são instruídos a não sair até que o perigo seja neutralizado, praticando estranhas técnicas de preparação para enfrentar o temível gato. Então, latir é uma forma de se “proteger”.
Essa narrativa sombria serve como uma metáfora das histórias fictícias contadas por pais para controlar o comportamento dos filhos, destaca como essas mentiras podem moldar o caráter de alguém.
O avião de brinquedo é usado como uma ferramenta para reforçar a narrativa fictícia que os pais criaram sobre os perigos do mundo exterior.
Ao fazer os filhos acreditarem que um avião caiu no jardim e que é perigoso sair de casa, a mãe e o pai mantêm o controle sobre eles, impedindo-os de buscar independência.
Os jovens sabem que existe um mundo exterior. Eles acham que é perigoso e impossível atravessá-lo, mas estão cientes de sua existência.
A fidelidade a esse dogma torna-se mais evidente na cena em que, furiosa, a filha mais velha retoma um avião de brincar que o filho roubou e atira-o para fora da barreira.
O filho relata isso ao pai, que responde entrando no carro, dirigindo talvez dois passos desde o portão de entrada e, em seguida, abrindo a porta do carro para tirar o avião da estrada.
Tudo isso enquanto o filho o encara pelo portão aberto, completamente desimpedido de escapar naquele momento. Não são as paredes que os mantêm dentro de casa.
O pai paga a segurança da fábrica onde trabalha, Christina (Anna Kalaitzidou), para ir até a casa (com os olhos vendados) e satisfazer o filho sexualmente.
É um acordo que ele termina furiosamente ao saber que ela é uma má influência para as filhas: a mulher troca algumas joias baratas por algumas lambidas ilícitas.
As irmãs são tão inocentes que decidem que é a mesma coisa, não importa onde você lamba, e trocam favores por lamber pernas, cotovelos e orelhas. O sexo parece não ter significado, nem mesmo quando o incesto é sugerido.
A partir daí, os pais decidem que o filho ficaria encarregado de tirar a virgindade das filhas. Pessoas imaturas que têm definições distorcidas de suas partes sexuais, que nunca ouviram falar da palavra Tabu (muito menos Incesto) enxerga isso como um incidente normal.
A filha desafia as regras e busca exercer controle sobre o próprio corpo, desafia a autoridade dos pais e explora os limites da liberdade dentro do ambiente confinado em que vivem.
Essa ação pode ser vista como uma forma de expressão da sua individualidade e uma tentativa de escapar da opressão que enfrenta dentro de casa.
Acreditando que arrancou o dente canino, a filha foge. Ela está naquele momento conseguindo exatamente o que quer e o que merece: ir embora. A garota se esconde no porta-malas do carro, onde o motorista segue seu caminho sem desconfiar de nada.
Podemos imaginar o pior. Ela está sufocando no porta-malas, com uma infecção no dente quebrado, está morta? Mas também podemos imaginar que depois dos créditos subirem, o porta-malas se abre, ela dá um passo para fora.
Então, vê o mundo ao seu redor, o mundo que parece monótono e comum para pessoas como você e eu, e ela olha para ele com a admiração de quem vê algo divino. Que final você prefere?
Aparentemente, outra criança fugiu do complexo e o pai e a mãe eventualmente fingiram sua morte, dizendo que o menino foi devorado por um gato por se aventurar lá fora (o verdadeiro destino desta quarta criança nunca foi revelado).
O filme apresenta uma família cuja vida é praticamente uma paródia da educação convencional. Os pais deliberadamente distorcem o significado das palavras para manter seus filhos isolados do mundo exterior, criando uma realidade absurda.
Isso nos lembra da influência poderosa do ambiente familiar na formação de quem somos, enquanto observamos as consequências devastadoras das ideologias transmitidas de geração em geração. Dente Canino desafia nossas noções de realidade e nos leva a questionar até que ponto somos moldados pelas mentiras que nos contam.
Empreendedora digital, copywriter,
analista de SEO on-page, gestora de tráfego.