René Descartes

O Ciúme, por René Descartes

No tratado Ciúmes, parte de suas reflexões sobre as paixões, René Descartes mergulha profundamente nos sentimentos humanos, explora as raízes e os impactos dessa emoção tão comum, mas muitas vezes incompreendida.

Ele aborda o ciúme como uma combinação complexa de amor, medo e inveja, oferecendo uma perspectiva filosófica da vida emocional das pessoas. Neste post, vamos navegar nas ideias dele sobre o tema.

O Verdadeiro e o Falso Ciúme de René Descartes

René Descartes
René Descartes

“O ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração. 

E como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de grande importância tem o direito de ser zeloso dela, isto é…

…de suspeitar de todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de maledicência. Mas zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é…

…quando o devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado. E desprezamos um homem que é ciumento de sua mulher, pois isso é uma prova de que não a ama da maneira certa e tem má opinião de si ou dela.

Digo que ele não a ama da maneira certa porque se lhe tivesse um amor verdadeiro não teria a menor inclinação para desconfiar dela. Mas não é à mulher propriamente que ama: é somente ao bem que ele imagina consistir em ser o único a ter a posse dela; e não temeria perder esse bem se não julgasse que é indigno dele, ou então que a sua mulher é infiel.

De resto, essa paixão refere-se apenas às suspeitas e às desconfianças; pois tentar evitar algum mal quando se tem motivo justo para temê-lo não é propriamente ter ciúmes”.

Análise

Olha só, Descartes traz uma visão super interessante sobre o ciúme. Ele começa explicando que o ciúme nasce do medo de perder algo que consideramos muito importante. Não é tanto sobre a certeza de que vamos perder, mas sobre o quanto a gente valoriza aquilo – e aí, qualquer coisinha já vira motivo de desconfiança.

Agora, o que achei legal é que ele diz que, em alguns casos, esse ciúme pode até ser “justo” ou “honesto”. Tipo, quando um general está defendendo um território importante. Ele tem todo o direito de ser cuidadoso, porque o que está em jogo é algo grande.

Mas Descartes também critica os excessos, como o ciúme de um avarento com seu tesouro. Ele deixa claro que, nesse caso, o valor que a pessoa dá ao dinheiro é exagerado. E aí vem a parte mais interessante, na minha opinião: ele fala sobre o ciúme entre casais.

Ele é direto em dizer que, se um homem sente ciúmes da mulher, isso significa que o amor dele não está sendo do jeito certo. E por quê? Porque ele não está amando a pessoa, mas a ideia de “possuir” ela. Ele tem medo de perder, não porque se preocupa com ela, mas porque acha que está em jogo o próprio ego, a própria insegurança.

Essa insegurança é a chave aqui. Descartes aponta que, se o ciumento tivesse confiança em si mesmo e no relacionamento, ele não teria motivos para desconfiar. Quando ele coloca a suspeita em primeiro lugar, isso mostra que ele vê a parceira como algo que ele “tem” e não como uma pessoa com quem ele compartilha o amor de forma genuína.

Então, a mensagem final do Descartes é bem clara: o ciúme surge das nossas próprias inseguranças e da forma errada como a gente enxerga o outro. Quando tem uma suspeita real, é uma coisa, mas esse ciúme que vem da desconfiança infundada não é saudável e só revela que, no fundo, a gente precisa trabalhar mais no amor próprio e no respeito pelo outro.

Aproveite para ler também:


Por Monique Gomes

Empreendedora digital, copywriter,
analista de SEO on-page, gestora de tráfego.

  • Apenas Um Olhar: Qual o segredo de Jacek?
    Dirigido por Marek Lechki e Monika Filipowicz, Apenas Um Olhar (2025, Netflix) é a mais recente adaptação de Harlan Coben na Netflix. É um thriller polonês com oito episódios de aproximadamente 45 minutos cada que transporta o espectador através de uma viagem cheia de suspense com segredos, mentiras e surpresas. >>> O que você vai
  • Delicious: O que Teodora faz com a família?
    Delicious (2025, Netflix) é uma versão bem literal do ditado clássico “Coma os Ricos”, amplamente atribuído ao filósofo Jean Jacques Rousseau: “Quando o povo não tiver mais nada para comer, ele comerá os ricos”. No final do filme, descobrimos que os jovens — geralmente trabalhando como garçons ou em outros empregos de serviço com uma clientela
  • O Reformatório Nickel Final Explicado
    O Reformatório Nickel (2024, Prime Video) começa revisitando as primeiras lembranças de Elwood Curtis voltando à infância. A obra foi filmada a partir de uma interessante seleção artística de perspectiva em primeira pessoa. A história se passa na década de 1960, quando as leis de segregação da era Jim Crow ainda estavam em vigor e

Publicar comentário