Nos últimos dias, o município de Ubajara, no interior do Ceará, registrou um caso de estupro que comoveu a população.
O fato foi descoberto depois que a mãe da adolescente de 14 anos encontrou uma carta na qual a garota revelava o abuso causado pelo próprio padrinho.
Nas redes sociais, algumas pessoas entraram em defesa da família do agressor: “São meus vizinhos, pessoas de bem”.
A verdade é que os estupradores não têm cara de estuprador. Não está estampado na testa deles: ALERTA ESTUPRADOR.
Estupradores se sentam no sofá da sala pra assistir TV, saem pra comprar pão, cumprimentam as pessoas na rua.
Sabemos que esse não é um caso isolado. Milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo são vítimas de abuso sexual, incluindo agressão ou estupro.
De acordo com um boletim do Ministério da Saúde, houve um aumento de 83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes: 31,5% são contra crianças e 45% contra adolescentes.
Se você pensa que os bebês estão livres de estupro, leia este artigo.
Um dado em comum é que PRATICAMENTE TODOS OS ESTUPRADORES são parentes ou amigos de familiares.
Ou seja, tudo acontece entre as paredes de casa. É um grande problema de saúde pública e uma grave violação dos direitos humanos.
O silêncio precisa ser quebrado, mas muitas vezes a vítima nem sabe que foi estuprada
As crianças não falam com os pais por vários motivos: medo, vergonha, pressão do estuprador e até mesmo desconhecimento de que foram estupradas.
Um desses casos foi o de Marissa Korbel. Ela levou mais de uma década para ver o que havia acontecido com ela não como um caso, mas como um ataque. “Eu realmente assumi toda a culpa por pelo menos nove ou dez anos”, diz ela.
Depois de anos de terapia, agora é mãe e advogada de uma organização que defende sobreviventes de agressão sexual.
Um estudo descobriu que 60% das vítimas não reconheceram que haviam sido estupradas.
Recentemente, assisti a um filme chamado O Conto(2018) que me deixou de estômago embrulhado. A obra reconstrói de maneira perturbadora a memória de uma mulher que sofreu abuso sexual na infância.
A atriz Laura Dern interpreta Jenny Fox, a própria vítima e diretora do filme. Sim, a história é real.
Jenny, mulher bem resolvida na carreira, encontra algumas cartas/contos que escreveu no passado. Aos 13 anos, foi abusada sexualmente pelo seu treinador de equitação. Mesmo 40 anos depois, ela não tinha se dado conta do estupro que sofreu.
Existia uma vaga lembrança do acontecido, pois acreditava ter vivido uma história de amor.
Afinal, o agressor era bom, atencioso e carinhoso. Mas alguma coisa dentro dela dizia que havia algo errado, principalmente porque não recordava de tudo, exatamente.
Pra quebrar o bloqueio, resolveu investigar, visitar os antigos amigos, conversar.
Assim, a memória aos poucos se restabeleceu e descobrimos que, na época, a menina passava mal sempre que era estuprada. Vomitava e tinha sentimentos muito incômodos que não sabia interpretar como tais, até porque o agressor era extremamente “gentil”.
Particularmente no caso dela, foi negligenciada pela família e seduzida não apenas pelo treinador, mas pela namorada desse homem, que compactuava com o crime.
Toda a trajetória é dolorida, mas o longa, escrito e dirigido pela própria vítima, não quer apenas afirmar que abusos sexuais são terríveis, mas contar como tudo aquilo formou sua identidade e como é possível descobrir a verdade, mesmo que tardiamente.
O filme mostra a perspectiva de uma mulher que foi obrigada a romantizar seu abuso e agora batalha para entender o quão terrível foi isso. Desesperador, mas necessário.
Como identificar vítimas de estupro
Os sintomas imediatos, que podem ser exibidos por alguém após um ataque, são: medo, choque e uma sensação de descrença de que isso realmente aconteceu. A longo prazo, os sintomas psicológicos se intensificam. Esses sinais podem incluir:
- problemas com o sono ou pesadelos repentinos;
- comportamento pegajoso;
- comportamento antissocial;
- comportamento apático e secreto;
- mudanças de humor incomuns, como raiva, lágrimas ou tristeza;
- não se alimentar ou comer mais que o habitual;
- medo súbito de ser deixado sozinho com alguém;
- uso de palavras adultas e sexuais;
- desenhos inapropriados e sexualizados, participação de jogos sexuais com brinquedos ou com outras crianças pequenas (essa é a maneira subconsciente da criança de falar sobre o abuso e procurar um adulto);
- sangue na vagina (para uma menina);
- sangue ou lágrimas no ânus (para meninos e meninas);
- marcas de mordida ou outras contusões na área vaginal ou retal;
- sinais de doenças como gonorreia, HIV, clamídia etc;
- feridas ou verrugas na vagina ou no pênis;
- micção dolorosa ou evacuações.
É importante lembrar que todas as crianças passam por fases nas quais podem apresentar alguns desses sintomas e isso não significar nada. No entanto, se você suspeitar que algo está errado, é fundamental fazer mais perguntas, investigar para garantir que a criança não seja prejudicada.
Consequências do abuso sexual
Meninas e meninos que sofrem abuso frequentemente enfrentam uma série de consequências negativas de curto e longo prazo para a saúde e bem-estar mental, físico, sexual e reprodutivo.
Além disso, correm maior risco de diagnosticar ao longo da vida um transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, sintomas de externalização, distúrbios do sono e pensamentos suicidas e prejudiciais.
Eles são mais propensos a se envolver em sexo inseguro, abuso de drogas e uso indevido de álcool, colocando-os em maior risco de ISTs e HIV e de outros resultados negativos para a saúde que perduram até a idade adulta. Para as meninas, há também um risco aumentado de gravidez e distúrbios ginecológicos.
Como cultura, parte da sociedade se recusa a aceitar que a maioria dos estupros é cometida por homens comuns, homens que têm amigos e famílias, homens que podem até ter feito coisas grandes ou admiráveis com suas vidas.
Acontece que os caras legais estupram.
Esses homens podem ser nossos amigos, colegas ou pessoas que admiramos.
Não devemos fingir que nada aconteceu. Justiça!
* Por Monique Gomes, jornalista certificada em marketing de conteúdo.